terça-feira, 29 de abril de 2014

JURUTAHY, URUTAU, MÃE DA LUA



Tão bonitinho,
Não tem nada de horroroso,
 só um passarim
 com penas descoloridas
e com cordas vocais longas.”
(Calixto de Inhamun´s)

E lá estava eu, para variar, saindo de casa apressada quando o porteiro faz um sinal para eu parar e me avisa:

- A senhora já viu o passarinho diferente que está por aqui ? Mandaram avisar a senhora...

O pessoal que trabalha aqui já sabe que eu adoro fotografar tudo de diferente que aparece. Já fotografei “sinimbura”, gambá, saguis, gaviões, pica-paus, saíras e tantos outros... e adoro os pássaros  mas justo neste dia eu estava com muita pressa e fui logo falando para ele que mais tarde eu iria fotografar. Inconformado ele me avisou:

- Não deixa para depois não... vai que ele “avoa”.

E continuou:

- É um pássaro diferente... difícil de se ver,é raro ! 

O rapaz tinha um ar de mistério e euforia na voz !

Pronto! Minha curiosidade foi despertada ! Larguei a pressa para depois e perguntei onde estava o tal pássaro e voltei para pegar minha máquina fotográfica e ir em busca da árvore onde aquele passáro "diferente" estava. 

Procurei, procurei, e não achei nada... nada !

Voltei na portaria com a máquina na mãe e falei:

- Ah! Acho que foi embora... fica para outro dia!

- Deixa para outro dia não... vamos lá que eu mostro para a senhora onde ele esta !

E lá fomos !

De fato, eu não acharia nunca o tal pássaro.  Eita coisinha horrorosa! Escondido, camuflado... ele parecia um pedaço da árvore, não se mexia, estava no tronco da arvore... estático. Eu tirei várias fotos e ele nada...nem notou minha presença.( isso eu achei mas depois fiquei sabendo que ele pode nos ver mesmo de olhos fechados). 
Mas o fato é que o tal pássaro é raro mesmo. Só fiquei sabendo o quão ele era raro depois que fiz uma pesquisa no “mestre google” e  postei algumas fotos... foi então que  alguns amigos começaram a falar dele. Entre tantos comentários percebi que  para uns ele é um pássaro com canto triste porem querido e amado, símbolo de força! Para outros ele é uma “ ave de mau agouro”.
Descobri que é uma das aves mais cultuadas na "cultura sertaneja". Seu nome vem da língua guarani e quer dizer “ave fantasma” ( guyra e táu),  mas é pouco conhecida da maior parte do povo brasileiro.
Também é conhecido como “mãe da lua” , “ emenda toco”  e “jurutahy”. ( sabe aquela música: Uirapuru ? Pois é fala dele tambem) 

Dizem que são raras as pessoas que já tiveram o privilégio de ver uma Jurutahy  ou que escutaram o seu belíssimo canto noturno. Ele é constantemente associado ao folclore nativo e com frequência a música popular. E fui descobrindo muitas outras coisas sobre ele; as suas lindas lendas e sobre o  seu canto triste ( que eu várias vezes escutei... só não sabia que era ele”. 

Por fim estou até começando a gostar do tal “jurutahy” !

E a noite por aqui, as vezes, eu escuto um canto e agora sei que é o canto do Jurutahy.

Diz a lenda que quando a lua desponta o urutau solta seu grito triste...


São várias as lendas  que colhi:

Lenda 1
Dizem que “Numa humilde casinha do sertão, vivia com seus pais uma moça muito feia. Naturalmente, por causa disso, não conseguia arranjar um namorado. O tempo passava, suas amigas todas se casaram e ela continuava desprezada. 
Mantendo ainda alguma esperança de que lhe surgisse um pretendente - pois, afinal, tinha suas qualidades: inteligente, trabalhadeira e boa cozinheira - adquiriu o hábito de sair à noite para passear pelos campos e bosques.
Certa vez, em um desses passeios, ouviu o tropel de um cavalo que se aproximava. O coração aos pulsos, imaginou que ali vinha o homem que se casaria com ela. Em poucos segundos viu descer de uma cavalo ricamente arreado, um belo e garboso cavaleiro, um príncipe que se aproximou e perguntou-lhe como podia chegar à estrada principal. A moça habilmente procurou cativar o príncipe pela gentileza e ofereceu-se para acompanhá-lo. Apesar de feia, era muito inteligente e foi fácil manter uma conversa agradável com o príncipe que, impressionado e não lhe percebendo a feiura, pois não havia luar, pediu-a em casamento. Mas infelizmente, sua felicidade durou pouco. A lua surgiu, iluminando o rosto da jovem. O príncipe, tomado de grande espanto, inventou uma desculpa para se afastar e se foi. A jovem, que de nada suspeitava, ficou esperando o seu regresso.
Muito tempo depois, uma feiticeira sua conhecida, ia passando e parou para conversar. A moça contou a ela o que acontecera e pediu para ser transformada numa ave e, assim, poder encontrar logo o príncipe. A feiticeira não queria, mas a jovem insistiu tanto que ela acabou concordando. Partiu, então, a jovem, transformada numa ave feia e desajeitada. Percorreu toda a região por várias vezes e nada de avistar o príncipe, que àquela altura, já estava bem longe.
Desolada, a ave - que era o urutau - procurou a bruxa e pediu para voltar à forma humana. Esta, porém nada pode fazer e a pobre teve que se conformar com seu destino de ave feia e triste. É por isso que, quando a lua aparece, o urutau solta aquele grito triste que parece dizer "foi, foi, foi", lembrando o príncipe que fugira da moça feia.
O uratau é um pássaro solitário e de hábitos noturnos que dificilmente se deixa ver. Pousado na ponta de um galho seco,dar nenhum tipo de sinal de vida. O feiticei
ro da tribo alegou que Nheambiú perdera a fala para sempre, a não ser que uma grande dor a fizesse voltar a ser o que era antes. Então a jovem recebeu todos os tipos de notícias tristes, a morte de seu pais e amigos, mas ela não dava nenhum sinal, até que o pajé falou "Cuimbaé acaba de ser morto". 
No mesmo momento a moça, lamentando repetidas vezes, tomou vida e desapareceu dentro da mata. Todos que ali estavam transformaram-se em árvores fitando a lua e estremecendo a calada da noite, emite seu canto tenebroso assemelhado a um lamento humano. Por este motivo, o povo também o chama de "mãe-da-lua". Seu grito talvez seja o mais assustador de todos, entre as aves. "Meu filho foi, foi, foi..." - interpreta o povo. Por causa de seu grito, o uratau é muitas vezes associado a maus presságios, mas segundo a mitologia tupi-guarani, é uma ave benfazeja.”


Lenda 2

Segundo a lenda, uma moça guarani chamada Nheambiú, apaixonou-se profundamente por um bravo guerreiro tupi chamado Cuimbaé, que caíra prisioneiro dos guaranis. Nheambiú pediu a seus pais que consentissem o casamento com Cuimbaé. Todos os insistentes pedidos foram negados, com a alegação que os tupis eram inimigos mortais da nação guarani. Não podendo mais suportar o sofrimento, Nheambiú saiu da taba. O cacique mobilizou seus guerreiros na procura da filha e, após uma longa busca, a jovem índia foi encontrada no coração da floresta, paralisada e muda, tal qual uma estátua de pedra, sem secas, enquanto que Nheambiú tomou a forma de um uratau e ficou voando, noite após noite, pelos galhos daquelas árvores amigas, chorando a perda de seu grande amor.

Em seu Dicionário do Folclore Brasileiro, Câmara Cascudo testemunha que essa ave noturna, de canto agourento, "melancólico e estranho, lembrando uma gargalhada de dor", cercou-se de "misterioso prestigio assombrador".

Coutinho escreve que as penas dessa sinistra ave são um poderoso "amuleto de preservação da castidade feminina". A mesma informação é dada por Câmara Cascudo e Orico, que evocam o testemunho de José Veríssimo, 40, que afirma ser a pele da ave, seca ao sol, que serve de breve contra a luxúria, "curando" as donzelas das tentações do sexo. Bastava que se varresse o chão, a rede ou cama onde a jovem deitasse, para que fosse afastado dali o que pudesse despertar desejos carnais.

O mesmo caráter agourento é atribuído a outra esta espécie de coruja, a "Rasga-Mortalha", esta última - esclarece Câmara Cascudo - tem esse nome em virtude do som que produz o atrito de suas asas, que faz lembrar um pano sendo rasgado.


  

Lenda 3

Era uma vez, há muito tempo atrás, no fundo da floresta amazônica, havia um pássaro chamado Jurutaí. Uma noite, Jurutaí olhou para cima, através do ar quente, e viu a lua. Ela estava completamente redonda. A luz prateada brilhou sobre a face de Jurutaí como se a lua estivesse se esticando para tocá-lo. E Jurutaí se apaixonou.
Jurutaí se apaixonou pela lua e quis ir até onde ela estava. Assim, voou até o topo da árvore mais alta que podia ver. Mas a lua ainda estava longe. Ele voou até o cume de uma montanha. Mas a lua ainda estava longe. Então ele voou até o céu. Jurutaí bateu as asas, subindo, subindo, até o ar ficar rarefeito. Mas a lua estava muito longe.
O pássaro continuou voando para cima até as asas doerem, os olhos arderem e parecer que cada respiração só enchia seus pulmões de vazio.
Queria prosseguir, mas era muito difícil. A força de suas asas chegou ao fim e de repente ele começou a cair. Rodopiava, através do ar negro, e batia as asas céu abaixo. Ele caiu de volta nas folhas úmidas e perfumadas das árvores. E se empoleirou ali, piscando ofegante para a lua. Ela estava distante demais para que ele a alcançasse. Assim, tudo o que Jurutaí podia fazer era cantar para ela. Ele cantou a mais bela canção que pôde. Uma canção cheia de tristeza e amor, que se espalhou pela floresta. A lua olhou para baixo, mas não respondeu. E lágrimas  encheram os olhos de Jurutaí. Suas lágrimas rolaram pelo chão da floresta. Encheram vales e escorreram em direção ao mar. E dizem que foi assim que o rio Amazonas surgiu.
Ainda existe um pássaro chamado jurutaí que vive na floresta amazônica hoje em dia. Às  vezes, na lua cheia, ele olha para o céu e canta. E ouvi falar de povos indígenas que acendem fogueiras quando a lua cheia brilha e cantam e dançam para fazer o jurutaí cantar. Eles sabem que cantar a mais bela canção que se conhece é a melhor maneira de se livrar da tristeza. E acreditam que deveríamos acender fogueiras no coração quando o jurutaí dentro de nós se cala.





Pai Nosso em Vissungo

Vissungo é um canto responsorial, canto de força que os escravos africanos entoavam nas lavras de diamantes e ouro em Minas Gerais e em diversas situações da vida cotidiana. Raramente era entoada em portugues, mais comumento era o Kimbundo e NBundo ( Lingua de Benguela).

“Otê! Pade-Nosso cum Ave Maria, securo camera qui t'Angananzambê, aiô...
Aiô!... T'Angananzambê, aiô! ...
Aiô!... T'Angananzambê, aiô! ...
É calunga qui tom'ossemá,
é calunga que tom'Azambi, aiô! ...
Ai! Ai! Ai!
Pade-Nosso cum Ave-Maria,
qui tá Angananzambê-opungo,
Ei! Curietê!
Ai! Ai! Ai!
Pade-Nosso cum Ave-Maria
qui tá Angananzambê-opungo.
Ei! dunduriê ê.
etc.”

O termo Angananzambê (Senhor Deus) é uma das muitas variações de N'zambi ou Azambi, portanto, não se trata de nenhum “sincretismo religioso”, é o próprio Deus, o Javé dos bantus."(http://www.mgquilombo.com.br/site/Livros-Quilombolas/livros/quilombo-do-campo-grande-a-historia-de-minas-que-se-devolve-ao-povo.html)



Ê Pade Nosso cum Ave Maria segura o 
[canera, oi Zandoiola
Ah ê
Ô canunga me chama gere ê… ê
Ô caran me chama gemá a… a… ê
Tê!
Tê… tê… tê… tê
Pade Nosso cum Ave Maria segura o caner, Dandoiola…
Dandaiê… ê
Ê… ê
Ô cundero di ê num tem tempo
Oi vero o cupo nuá tem tempo
Aiê!
Ô caíconde… ê… ê… ê
Ô calunga me toma bebê
Ô calunga me toma sambá… á
Êi…
Pê… rê… rê… rê
O mico cumbaro num tem tempo
Ô pu cumbaro num tem tempo
Ô… ê… ê… ei
Cumbarauê… ê… ê… ê… êi
Cumbará…
Cumbarauê… êi… ê

Cumbarauê… ê… êi
((colhido em 2001) - ( http://www.letras.ufmg.br/vivavoz/data1/arquivos/vissungos2ed-site.pdf)