Hoje eu, Doris e Francisco , conhecemos a famosa D. Lili Figureira.
Fomos recebidos em sua casa por sua filha Fatima.
Entramos na casa e em poucos instantes D. Lili com seus 94 ano se juntou a nós. Veio amparada pelo seu andador pois tem dificuldade para andar e tem sentido muitas dores. Logo a seguir vem sua filha Francisca com ar muito alegre e animado em sua cadeira de rodas.
D. Lili senta no sofá e prestativa se prepara para as perguntas.
Nossa intenção para o dia de hoje era perguntar sobre as tradições da Semana Santa que D. Lili conhece. Tentamos nos ater a esta data, porem para mim foi quase impossível.
Ela nos conta que seu nome é Maria Benedita dos Santos. Nasceu em 20/09/1918 na “Fazenda do Barreiro ou Quilombo” em Taubaté. Nasceu e foi criada nesta fazenda do Senhor Rei do Café, o Coronel Benedito de Matos.
Casou se com José Benedito dos Santos com quem teve 6 filhos: Francisca, Pedro, Donizete, Dimas, Fátima e Benedito.
Uma de suas avós se chamava Porcina, era filha de um Sr. Andrade (a), que veio não se sabe exatamente de onde, talvez inglês, para trabalhar na construção da Estrada de Ferro. Veio ao que se sabe fugido e casou se com Maria Clara. Foi essa avó Porcina que ensinou a D. Lili a fazer cumbucas e panelas de barro para serem vendidas no povoado quando ela tinha 6 anos.
Sua outra avó foi escrava. Se chamava Benedita, e casou se com o Sr. José Ela nos conta que nas Quartas Feiras de Cinza os tios dela que gostavam de música, eram obrigados a literalmente “colocar as violas no saco”, pois era dia em que não podia ter cantoria. Não se tocava nada, os oratórios de dentro das casas assim como os das igrejas eram recobertos com panos roxos.
Na quaresma, todos os dias, se reuniam com os vizinhos, tomavam café com biscoitos e tinham de rezar o terço, porem ela não gostava, tinha muita preguiça, pois o terço é muito demorado.
Durante a Semana Santa, a partir das 12:00hs da quinta feira, não se trabalhava e eles iam pegar peixe. Pescavam o peixe com uma rede feita com o cipó “timbó” e estopa e pescavam o tanto quanto a rustica rede suportasse; quando ela se desfazia não se podia mais pescar naquele dia. Pescavam e fritavam o peixe na quinta feira , pois não podiam fazer nada na Sexta feira da Paixão, nem barbear-se, brincar, pentear cabelo etc...
- nada que era bom se podia fazer na Sexta Feira !
Os peixes que pescavam eram o bagre, a traíra e o lambari. Comiam o feijão miúdo, farinha, porem não podiam comer carne. Segundo sua avó, nem ovo se podia comer já que no futuro o ovo se transformaria em carne. Além de não comerem carne, deviam se alimentar nos horários certos, nada de ficar comendo fora das horas estipuladas... Isto fazia parte do jejum.
Iam para a Igreja rezar na sexta feira, e no sábado a partir do 12h00min dia começavam a comemorar a ressurreição de Cristo.
As matracas eram usadas tanto na sexta feira para anunciar a morte de Cristo como no domingo para celebrar a Ressurreição, o ritmo dos toques se diferenciavam (provavelmente um mais lento e lúgubre outro mais alegre e ruidoso).
Faziam um bolinho de mandioca com lambari e o fritavam, assim como paçoca com banana. Esses alimentos eram consumidos na sexta feira santa durante a procissão e durante a noite da vigília. D. Lili nos diz que detestava aquele bolinho com aquele peixe enrolado. A cabeça do peixe ficava de fora do bolinho e:
- aqueles olhinhos do peixe me davam nojo!
No sábado de Aleluia, era o dia de “malhar o Judas”, e D. Lili esclarece o fanatismo das crianças em abater e estraçalhar o Judas.: Ele era recheado de balas! D. Lili nos conta que seu pai era dono de um armazém e que ela podia comer a bala que quisesse, mas:
- o meu gosto era pegar aquela caída do céu!
No domingo de Pascoa era dia de roupa nova e comer o “fogado”.
Contou-nos também que até 1930 mais ou menos tinham uma boa vida. O pai tinha armazém e ela queria estudar. Porem com a queda do preço do café no Brasil, seu pai que tinha todo o seu investimento em café perdeu tudo e ela teve de “pegar na enxada” pela primeira e trabalhar junto com seu pai na tropa. Faziam carvão e rapadura para vender em Caçapava e traziam mantimentos na volta. Na viagem para se alimentar a carne seca vinha pronta de casa e para fazer o arroz armavam a “Rita” (tripé onde se colocava a panela para cozinhar no mato). O fogo era feito com taquaras que quando queimava levantavam cinzas e caia na comida, então:
- comia –se carne seca, arroz e carvão!
O café que era feito nessas viagens era horrível, pois usava se 3 pedrinhas de carvão para o pó permanecer no fundo.
Sempre quis estudar porem não conseguiu. Relata-nos que seu irmão quando chegou da 2a Guerra Mundial veio com um Diploma e isto sempre foi um motivo de tristeza para ela que também desejava um . Em 2004 ela também recebe o seu tão sonhado titulo.
Somente aprendeu a fazer as 4 operações, mesmo assim era a responsável pela cobrança do aluguel dos tropeiros que alugavam o galpão da fazenda, além de fazer o pagamento dos funcionários.
Refere-se como muita gratidão ao Patrão que lhe ensinou as 4 operações.
Comentou também que os donos da fazenda, o Cel. Benedito de Matos não era “bem quisto” pelos empregados, porem um de seus filhos que já havia viajado para a Europa era muito atencioso, assim como a sua esposa. Esta Senhora fazia questão de dar o enxoval completo e o vestido de noiva para aquelas que trabalhavam na fazenda e iam se casar. Ela as acompanhava até a loja e fazia questão que escolhessem o que realmente gostavam.
Na Pascoa, levavam comida ao presos, alguns deles ao receberem carne para comer, choravam.
Lili nos colocou diante de fatos que para julgamos normais, mas que na época eram um verdadeiro acontecimento:
1 - certa vez o bisavô, já casado, convidou as crianças para irem conhecer a novidade: o trem que vinha de São Paulo para Taubaté. Avisou a todos para que não temessem, pois o trem não saia dos trilhos, porem quando ao longe as crianças viram o trem apitar elas se embrenharam no mato assustadas. Após a passagem do trem, os pais, tiveram que buscar os filhos no meio do mato. A avó de Lili conta que não fugiu, mas que segurou com muita força na calça do pai... Outros tempos!
2 – Num determinado período teve uma professora (Isabel) que ia em sua casa lhes ensinar. Num desses dias receberam a visita de um “cumpadre”, que ao vê - las escrevendo com o lápis disse:
- D. Isabel, quando a Sra. tiver um “Pauzinho” desses que a Sra. não vai ocupar muito a Sra. leva lá em casa para eu fazer um desenho?
3 – Um parente dela que pertencia a Irmandade do Santíssimo aqui em SJCampos, mas que morava em S.José do Barreiro, numa de suas vindas para São José numa Sexta Feira Santa, ficou descontente com as camisas que a filha lhe havia aprontado para a viagem. A filha querendo consertar a situação resolveu lavar a camisa e foi rumo ao rio com o sabão e a bacia nas mãos. Assim que começa a passar o sabão na camisa percebe um risco vermelho. Não se dando conta do que podia ser, torna a passar o sabão na camisa e novamente o risco vermelho reaparece. Assustada percebe que é sangue e que as Sextas Feiras Santas não se pode lavar roupa, larga a camisa e o sabão na beira do rio, apodrecendo...
Quando se mudou para o Jardim Ismênia, lá não havia Igreja, havia somente um lote cheio de mato. O dono do lote ao ser inquirido do valor do mesmo para a venda disse querer a quantia de 12 contos . O Padre José Paduan, da Paróquia do Colonial( que lhes prestava assistência espiritual), comentou com seu marido que tinha 12 contos para receber, mas ia demorar um pouco. O dono do lote porem só venderia por 12 contos naquele dia, se fosse no dia seguinte seria mais caro. O esposo de Lili confiando no padre colocou sua casa em garantia e retirou os 12 contos para comprar o lote. Pouco tempo depois o Padre recebe os 12 contos e resgata a casa de Lili e José Benedito.
“Hoje no local ergue se “a “ Capela do Divino “.
Obs : Cançao que D. Lili Figureira diz ter aprendido com os pais. Quem teria ensinado foi o avô que era estrangeiro... Ingles ?
“Num só sentimento unidos,cheios da mesma alegria,
digamos unindo as vozes, a universal harmonia.
Coro brilha no seu estrelado, do cruzeiro a constelação.
Altivos de nossa fé , de Cristo vendo os primores,daquela que excede a todos, digamos entre louvores:
Coro brilha no céu, da virgem proclamamos, a ventura sem igual,e celebrando a digamos,neste hino triunfal “
(Colhido por Doris / Quaresma 2012)